A lenda de Malpica do Tejo
É interessante reparar em alguns detalhes da lenda da origem do nome de “
Malpica do Tejo”. A lenda, reproduzida com notável qualidade literária por Gentil Marques, diz resumidamente que um clã, expulso do local em que vivia, procurou nova terra para se instalar. Uma praga de
formigas vai-lhes matando as vacas durante o caminho. Junto a uma ermida da
“Senhora das Neves” decidem soltar as vacas para que sejam elas a decidir onde a comunidade se irá instalar. Acabam por se fixar onde o gado “decide” parar, que é o local da actual povoação. As formigas aí eram tão poucas que “mal picavam”. Daí o nome da povoação – Malpica.
[1] Repare-se agora em alguns pormenores:
Malpica / Malpique é provavelmente, “dono dos bois”:
MN- ou M – prefixo indicador do local de origem
Alpu (alp) (acádio e assírio babilónico) – boi, touro
Alp (ugarítico) – boi, gado vacum
Alp (èlèp) (hebraico antigo) – gado, bois
“IQHH” (hebraico antigo) - “obediência”
“YQY” (ugarítico) - “render preito, temer, obedecer”
Pode este “ique” final, comum a Ourique, Arliques, etc., corresponder ao local onde se situava o poder. O “M” inicial pode ser um género de indicativo da característica da origem, já que equivale ao “MN-” – “prefixo indicador do lugar de origem”. Seria portanto qualquer coisa como “dono dos bois”, “lugar de origem do proprietário dos bois”.
“Formigas” deve ter origem em FaR MaKoH [Farmakoh], e significa precisamente “flagelo do gado”, “calamidade do gado”, “praga do gado”. Ainda hoje, segundo o “Dicionário do Falar de Trás os Montes e Alto Douro”, na zona de Lagoaça, “formigo” é uma doença que ataca os cascos das bestas.
Senhora das Neves – local onde se determina que serão as vacas a decidir onde se fará o novo assentamento:
Nvi’ – profeta
Nvi’h – profetiza
Nv’ – estar em transe profético, profetizar…
O que é interessante é que a actual lenda contada em português, se criou ou fixou num momento em que a memória colectiva do povo ainda relacionava “Malpica” com “donos dos bois”, “formiga” com “praga do gado” e “Neves” com “profetizar”. É evidentemente uma lenda muito antiga que evoluiu e se adaptou à nova língua falada pelas gentes, mas que conserva ainda elementos da lenda original.
[1] - É interessante que haja uma lenda de “Malpique” (povoação também junto ao Tejo do concelho de Constância) em que se explica o nome da terra já a partir do seu possível significado em português: as casas ficavam “mal a pique”. Nesse caso já não havia qualquer memória do significado antigo da expressão, sendo por isso mesmo uma lenda muito mais recente.