Segue-se uma pequena parte de um trabalho mais vasto, que consiste na revisão da etimologia de muitas palavras do português. Repare-se na quantidade de palavras que têm uma origem fenícia entre o “AB” de “Abalar” e o “AL” de “Alicerce”. Note-se ainda que esta é uma pesquisa muito simplificada e inicial. Excluí da listagem a maior parte das palavras que podem ter uma dupla origem (por ex. fenícia e latina), e as que não têm uma origem fenícia clara.
ABALAR
De ABALU ou de WABÂLU ou mesmo de IBL – “trazer, levar, carregar, trazer, ser trazido, ser guiado”. Evidentemente que a hipotética palavra “advallãre”, que significaria num latim hipotético “lançar-se no vale, ao fundo”, não tem o menor sentido.
ABROLHO
“Abrolho” é: “espinho; espécie de pua; rebento, gomo; planta prostrada que produz frutos espinhosos e é espontânea em Portugal”.
Diz-se que provém do latim “APERI OCULOS”, que significa “abre os olhos” (!?).
“ABARU” é gancho em acádio; “ØLH” é “folhas, folhagem” em hebraico antigo. “ABROLHO” deve provir de “ABARUØLH”, com o significado genérico de “planta espinhosa”.
ABULIA
Diz-se “abulia”, que provém do grego “aboulia”. É possível que seja essa a verdadeira origem da palavra no português, visto que a “abulia” é uma palavra erudita que não se usa entre as populações rurais. Deve contudo observar-se que é pouco provável qualquer influência directa do grego sobre o português. No entanto “ABL” é em hebraico antigo “observar ritos fúnebres, luto, enlutado, etc.”, o que corresponde à atitude abúlica, ou seja, à ausência de vontade e acção.
Como em muitos outros casos deve haver um radical antigo e comum a muitas línguas antigas do Mediterrâneo, sendo por isso difícil dizer por que via chega até nós.
ACABAR
O verbo “acabar” é um caso muito interessante. Parte de uma palavra fenícia “ØQB” (algo como “ÃEQABA”), que significa “chegar ao fim; parte final; até ao fim”, e dela constrói o verbo regular que conhecemos. A palavra “ACABAR” resulta assim do radical fenício “ØQB” ao qual se juntou o sufixo latino “-AR” para o infinito de verbos que derivam de substantivos ou adjectivos.
Será quase desnecessário dizer que se entende como sem fundamento nem razão de ser a etimologia geralmente aceite que assenta num hipotética palavra latina “accapare”, palavra essa que nunca existiu.
O interesse desta e de outras situações semelhantes está sobretudo em perceber como se forma um verbo regular em português a partir da palavra fenícia, portanto como se aplica a estrutura gramatical latina à palavra fenícia.
AÇAFATE
A palavra “AÇAFATE” pode provir de “ASFATH”, que significa em fenício “trazer a colheita” e resulta das duas palavras “ASF” (colher, colheita, reunir, recolher, etc.) e “ATH” (vir, trazer). A etimologia proposta habitualmente é de origem árabe (AS-SAFAT) é potencialmente convergente com a fenícia.
ACANHADO
“AKU” é em acádio “infeliz, indigente, fraco” (órfão em assírio, EKU é também “órfão” em acádio), e “NDH” é “excluir, afugentar”. Portanto, “acanhado” provém de “AKUNDH” acádio / fenício ou de uma expressão equivalente de fenício, e refere-se ao “fraco excluído”. Claro que a explicação apresentada habitualmente para a origem da palavra – “A + CANHO + AR” não faz sentido, para além de cometer o erro habitual de admitir que o infinito do verbo “acanhar” precede o adjectivo “acanhado”, o que evidentemente não é verdade.
Como em tantos outros casos a formação do verbo regular do português, bem como de outras palavras derivadas, resulta do termo fenício “AKUNDH” que se refere a um indivíduo mas também à atitude que o caracteriza.
ACAREAR
A palavra “ACAREAR” significa genericamente “PROMOVER O ENCONTRO, JUNTAR”, quer se trate de “acarear” coisas para levar para casa, quer se trate de “pôr em presença testemunhas para que ajustem os seus depoimentos”. O Dicionário Porto Editora propõe um “A+CARA+EAR”, o que, sem que os seus autores saibam, quase está de acordo com o que parece ser mais aceitável: “A+QRH+AR”. “QRH” é uma palavra que encontramos no hebraico antigo que significa “ENCONTRAR” (“QRI” é “ENCONTRO”, mas também “DEIXAR-SE VER” e “CARA”).
ACEPIPE
Diz-se que a palavra provém do árabe “AZ-ZABIB”, que significa “PASSA DE UVA”. No entanto a verdadeira origem da palavra deve ser “ASP” que significa “COLHEITA”, e de “IPH”, que significa “BONITA, TORNAR-SE BELA”. Portanto “ASPIPH” é “BELA COLHEITA”.
ACHAQUE
Não deve provir do árabe “AX-XAQQ” com o significado de “dúvida, suspeita”, mas antes de “ASAKKU” do ass.-bab. com o significado de “doença”.
ACHADA
Uma “achada” é um retalho de terra aplanada numa região de declives fortes. Diz um dicionário muito usado que o termo provém de uma forma hipotética do latim “aplanãta-”, por “applanãta-”, particípio passado feminino de “applanãre”, “aplanar”. Face a uma tão complexa construção teórica, o leitor fica esmagado com a sabedoria que ela implica, e não pode senão admitir como correcta esta análise. No entanto… quem pegue num dicionário de fenício verá sem dificuldade que “AŠD” (ACHADE) é “encosta, vertente, declive de montanha”… É bom de ver que a tal “aplanãta”, que nunca existiu, não passa de uma construção imaginada por quem também pensa que a nossa palavra “chão” provém de “planu-”, quando efectivamente provém de “ŠWH” (chwâa).
ACHATAR
A palavra “CHATO” tem origem em “ØŠT” (algo como “ãechata”), que significa “lâmina, chapa, ser liso”. Há portanto uma evolução que corresponde à perda do ayn (que evoluiu para o som “a” do português com frequência) inicial na palavra “chato”, mas à sua manutenção no verbo “achatar”, e em outras palavras derivadas como “achatado” que também originou. A origem da palavra “chato” geralmente aceite encontra-se no grego “platýs” (largo, amplo), pelo latim “plattu-” (plano).
ACHEGA
Não é fácil aceitar que “achegar” provenha do “applicare” latino. No entanto a verdadeira origem da palavra será por certo “AŠ SG’ ”, que significa “crescer um pouco”.
ACHINCALHAR
A palavra “achincalhar” e as da mesma família devem provir de “ØŠQ ALL”, que significa “oprimir o insignificante”. Não deve portanto provir de um jogo popular, o “chinquilho”.
AÇO
Possivelmente o termo tem origem em ØZ (ãez), que em fenício significa “forte, duro”, e não em “aceiro”, que será por sua vez resultante do “aciariu-” do “latim tardio”, conforme se pretende em alguns dicionários. Poderá no entanto provir de um outro termo latino – “acies” que, esse sim, tem relação directa com objectos cortantes e aguçados. Estamos neste caso (como em muitos outros) confrontados com a possibilidade da convergência entre termos das duas línguas, termos esses que podem ter originado a palavra portuguesa actual.
AÇODAR
“Açodar” é “apressar”, e entende-se facilmente que provenha de “AZ DHR”, porque esta expressão significa “apressar-se a correr”. A origem onomatopeica proposta em alguns dicionários é até difícil de compreender.
AÇOR
“ØŞR” é “ave, pássaro” em ugarítico (em acádio é “IŞŞURU”). A etimologia habitualmente aceite está relacionada com a palavra latina “ACCEPTÕRE-”. É provável a convergência das duas palavras para originar o “açor” actual. No entanto é claramente mais provável a origem em “ØŞR”, já que a pronúncia seria algo como “ãessôr”.
No que se refere ao arquipélago dos Açores, como é sabido não há nem nunca houve nele açores, no sentido moderno do termo. O que houve foram aves de rapina a que o povo chama “milhafres” ou “queimados”, e que é um Buteo buteo. É bastante provável que a confusão de nomes tenha tido origem no facto de os marinheiros usarem ainda o termo “açor” no sentido antigo e fenício do termo, ou seja “aves”. Eram portanto as “ilhas das aves”. O nome ficou, e com o tempo prevaleceu o significado urbano e moderno do termo, ou seja “açor” como Accipiter gentilis, que é espécie que efectivamente nunca existiu naquelas ilhas.
Situações como esta levam a crer que no século XV o povo ainda falava uma língua com forte componente fenícia, muito embora os escritos feitos pelos letrados urbanos possam fazer crer o contrário.
ADIAFA
Pode provir de “ØD AFH”, que significa “reunião de assar” ou “reunião de cozer”, ou do árabe “AD-DIAF”, que significa “banquete”. No fundo é o mesmo, e é provável que já existissem “adiafas” antes do século VIII e que tenham continuado a existir até hoje.
ADRO
Tem certamente origem em “ADR” que é “cerca, cercado, árvore gigante, cedro”, e não em “atriu”, que significa em latim “sala de entrada”.
AFASTAR
Diz-se geralmente que “afastar” é uma palavra de “origem obscura”. No entanto o radical “AFS” significa em fenício “extremo, fim, extremidade”, e “TØH” é “andar errante, desgarrar, vaguear, desviar”. Assim, “afasta” é traduzido à letra “vaguear no extremo”, “desviar para o fim”, etc. É “afastar”.
AGASALHO
Nos dicionários diz-se geralmente que “agasalho” é uma derivação regressiva de “agasalhar”, e que esta palavra terá origem numa forma latina hipotética “AD-GASALIÃRE”, proveniente do gótico “GASALJA”, que significa “companheiro”. O facto é que “H KSL” significa “o vestido” em ugarítico, e “H KSY ØL” é “o que cobre por cima”. Ainda hoje se usa a palavra “agasalho” exactamente nesse sentido de algo que cobre, que se usa sobre outra roupa.
AGUDA
Aḥd – (1) – Um, só, solitário
Aḥd – (4) – Um, uma; o primeiro; qualquer, qualquer um, alguém, cada um.
Lembro-me quando era moço, na Beira Alta, chamarem “agudas” ou “agudias” às formigas de asa com as quais se armava aos pássaros. No Alentejo Litoral verifico que também se usava o termo no mesmo sentido.
ALCANCE/ALCANÇAR
A palavra deve provir de “ALK MŞ’H”, que significa “alcançar no caminho”. A palavra latina hipotética “incalciãre” não é necessária… Mais uma vez uma combinação de palavras fenícias (seria lido algo como “alcamsoe”) que corresponde a uma acção, é transformada num verbo regular, o verbo “alcançar”.
ALÇAPÃO
Alçapão provém com certeza de “ØLH ØŠH PØM”, que significa “fazer subir um estrado”.
ALÇA/ALÇAR
Alça é o que se levanta ou o que faz levantar, provém certamente de “ØLH ØŠH”, que significa literalmente “fazer subir”. Há uma forma hipotética latina “altiãre” que derivaria de “altãre” que evidentemente terão relação com palavras da família de “alto”.
ALÉM
Deve provir de “HL’H”, que significa “para lá, adiante, daí em diante”, e não do italiano “illinc”, que significa “aí”.
ALEVIM
Talvez provenha de “ALF IM”, que significa “produzir aos milhares no mar”. A forma latina hipotética “allevãmen” não faz sentido. Em francês é “alevin”. Pode portanto a palavra vir para o português directamente do francês, mas fica por explicar a etimologia da palavra francesa…
ALFOBRE
Certamente de “ALP APR” ou “ALP ØPR”, que significa o mesmo: “produzir a milhares em terra fina”. A ideia de que pode provir do árabe “al-hufar” com o significado de “buraco” ou “fossa”
ALGOZ
Provém provavelmente de “ØOLH” que significa “holocausto”, e de “GZ”, que é “guerreiro”. Será portanto o “guerreiro do holocausto”. Não é impossível que o nome se aplicasse em turco a uma tribo onde se iam buscar os carrascos.
ALICERCE
“ØL” é “acima de”, “ØLL”, é “mergulhar, inserir”, “ØLILH”, é “obra”, e “ŠRŠ” é “raiz”, “lançar raízes”. É claro que o “al-isãs” árabe, que significa “fundação”, “alicerce” é igualmente uma possibilidade, mas “ØLILHŠRŠ” significa “lançar raízes da obra”…
A palavra “cerce”, que significa “pela raiz, rente”, tem certamente esta mesma origem.